segunda-feira, 13 de maio de 2013

O EMBRIÃO ( A CARTA) - ARIOSVALDO ALVES

foto do poeta ARIOSVALDO ALVES (Bayeux em Foco)





























O embrião (A carta)
Céu;
Quatorze de setembro
De mil novecentos e tantos.
Estou aqui mamãe
Triste por não ter nascido
Alegre por ser um anjo, entretanto.
Um ser
Que talvez hoje
Fosse a solução dos teus problemas.
O júbilo maior de tua vida,
O prazer de viver ao teu lado
Querendo ser vivo apenas.
Mas, tu não quiseste assim,
Desde a primeira ocasião azada
Teu sonho de ser mãe enterra.
Todos foram contra a mim
Todos os pórticos foram fechados
E assim não delinitei a terra.
Primeiro meu pai
Mandou que extirpasse do ventre
Com receio da responsabilidade.
Depois meus avós
Disseram que eu seria
O desdouro da familiaridade.
Entrevi que tu mamãe
Seria a minha única esperança
E agarrei-me no teu coração,
Com medo de infelicitar
O calor de tua índole
Mesmo sendo ainda um embrião.
Não sabes o quanto sofri
Quando entraste naquela farmácia
E para matar-me, pedis-te um remédio.
Não era remédio, era veneno.
O qual viria forte e intrépido
A aniquilar um ser com tédio.
Todavia, gritei com toda força.
Rolei de um lado para outro
Tentando dizer-te que queria viver,
Mesmo daquele modo
Uma formação órssea em prostração
O meu cérebro estava a desenvolver.
Porém, foi em vão.
Chegas-te em casa,
Preparastes o veneno; igual bula.
Sentas-te no sanitário,
Olhas-te para o ventre, passas-te á mão,
E pela primeira vez choras-te pura.
Eu também chorei naquela hora
Chorei de alegria, fiquei feliz,
Falas-te igual menino.
Fizeste o que nunca fez
Um gesto afável de mãe
Uma prova do teu amor assassino.
Sabias, porém,
Que eu era o amor
Fruto da tua grande paixão.
No entanto, o tal amor,
Que tu não querias ter
Por opróbio, medo ou opressão.
Desejei naquela hora
Que pensasse no fadário
Ver-me chamar mamãe, agatinhar.
Dar os primeiros passos
Mamar no teu seio o leite quente
Crescer ao teu lado, caminhar.
Mas, finalmente,
Enxugaste as lágrimas
E digeriste o veneno sem arranjo.
... Obrigado; mamãe; por não me deixar nascer.
Obrigado por matar o intruso
Que hoje é anjo.

NOTA:

O homenageamos o poeta Ariosvaldo Alves que com esta poesia ganhou um prêmio a nível nacional.